quinta-feira, agosto 25, 2005

Memórias

Impressionante era sua maneira de se expressar
Sobre qualquer discussão, tema
Ela esbanjava charme ao falar
E, para isso, não havia problemas
Seus estudos foram poucos
Mal sabe seu nome escrever
Mas sempre passava aos outros
O que aprendeu em seu viver
À sua volta pessoas mudas
Feito estátuas, apenas a escutavam
E a ouviam com fervor
Quase com temor, saudavam
Aquelas palavras poderosas, ocultas
Que daquela boca saíam sem esforço
Absortos em suas explicações
Estremecidos por suas revelações
Reverenciavam-na como a uma deusa
Tinha em sua mente toda uma vida
Vida de angústias, misérias absolutas
Mas uma história augusta
Construída a custa de muito suór
Do qual o mundano não teve dó
E que, involuntariamente
Ajudou a construir uma riqueza
Mesmo imerso em tamanha pobreza
Entretanto, falo de cultura, sabedoria
Isto só a morte tiraria
Mas não o seu olhar
Tão penetrante, profundo
E, ainda presente na memória de todo mundo

quarta-feira, agosto 24, 2005

Esperanças

Este sim tinha do futuro esperanças
Não sei de onde as tirava
Talvez de sua fé nas crianças
Sempre bem acompanhado, sonhava
Com dias melhores para os que o cercam
Os pequeninos resumiam toda sua alegria
Pois estes emoções lhe traziam
Neste velho coração que insiste em bater
Em seu rosto o sorriso brota facilmente
Percebe à sua volta, eles a correr
Invariavelmente, lembranças renascem
Esquecidas, ressurgem com vigor
Com mesmo furor daqueles à sua volta
Fazendo sua mais importante escolta
Exibindo de forma pueril
Um respeito senil
Àquele que lhes parecem cansado
Pelo tempo incomodado
Mas, que dentro bate um coração
Que, pelo menos, metaforicamente
Pulsa no mesmo rítmo dos seus
Com paixão pela vida, e incessantemente
Compaixão pelos outros
E isto ele reconheceu aos poucos
Justo agora, como o maior dos ensinamentos
Percebendo aproximar-se o fim
No seu melhor momento
Com seu sorriso habitual
Espera como natural
O destino que tem de se cumprir















Por Sebastião Salgado. Mali, 1985

terça-feira, agosto 23, 2005

Chão prometido

A dor lhe era tanta
Que não temia a morte
Sua vida indigente, sem esperança
Mostrava o quanto era forte
Seu sorriso entristecido pelo tempo
Esforçava-se em desabrochar
Seu cabelo dançava ao vento
Em todo o seu caminhar
Sua bengala era seu bastião
A companhia única
De sua longínqua solidão
Sua presença pública
Servia àquela vila pobre
Como um alicerce rígido
Contra um mundo esnobe
Que impiedosamente ríspido
Despeja diariamente de seus lares
A vida da comuna, desmilingüida
E a de cada um de seus familiares
Caminha como se fosse tudo natural
Não pretende passar aos jovens sua indignação
Contra tudo que lhe é habitual
Contra tudo que lhe causou tal situação
Sua revolta é desproporcional a seu sorriso
Tão pequeno, tão cometido
Sua indignação cerra-lhe o ciso
Ódio motivado pelo intrometido
Que invade cada lar
Em busca de vidas novas
Sem pensar no futuro do lugar
Encerrou seu vilarejo em covas
Mas ele sabe, um dia será chão prometido

segunda-feira, agosto 22, 2005

Incontestabilidade

Descrevia sua vida como se fosse a melhor
Direcionava o destino alheio sarcasticamente
Supunha serem seus apontamentos os de um grão-mor
Mas, nunca refletia em seus atos sabiamente
Suas palavras duras e rígidas
Massacravam alguns
Como má sorte insípida
Apologias inexistentes
Sabia, mas não reconhecia
Amadorismo latente?
Sua arrogância lhe ofuscara a sabedoria
Companhia incômoda, má vinda
Seu sorriso, mentiroso...
Amargava ainda mais sua presença
Sua platéia incomodada
Não ousava enfrentá-la
Seu passado incontestável
Impediam-lhes de sufocá-la
Por mais abominável que fosse
Estava presente em cada vila
Vilas de vidas miseráveis, estreitas
Ceifadas como que por uma foice
Por esta onipotente, a sua espreita
Ainda esperam por um coice
Banindo de uma vez
Esta miserável que aparece
Para levar os mais fracos de tez
E que para salvar nem por prece
Ela, a morte, sempre se apetece.

sexta-feira, agosto 19, 2005

País de miseráveis

Até que ponto a insensatez humana
distorcera a vida daquelas criaturas?
Atitudes imbecis, mundanas
levam-lhes a mortes prematuras.
O egoísmo alheio, porém onipresente,
causando medo, fome e aflição.
A insensibilidade, mais que nunca presente,
estremece os alicerces da nação,
que com seus filhos desminlinguidos
não resta outra solução.
Que país de miseráveis
abandonaria os seus filhos
a mais terrível das calamidades?
Pátria amada?
Para quem?
Para aqueles não parece ser.
Só é para os que a convém!
Oh, meu país, mostre-se como mãe-gentil!
Acorda e olha para tuas crianças
antes que se esgote o sonho pueril
de seus pequeninos peitos retumbantes.
Acorda meu querido Brasil!

quarta-feira, agosto 17, 2005

Indignação

Ficou chocado ao vê-los,
não imaginava tal situação.
Os seios maternos, caídos e secos
ainda lhes serviam de proteção.
Crianças desnorteadas imploravam
e a quem quer que fosse apontavam,
exclamavam, existimos!
Mas, que vida ingrata, resmungavam.
Que fizemos? Perguntavam.
Miséria em torno da riqueza,
a estupidez humana em seu máximo,
vem nos mostrar a fraqueza,
de nossa raça em seu íntimo.
Como animais, lutam por comida,
dignidade humana ao mínimo.
Sua fome consome o conforto dos que passam,
que fingem não ser com eles.
Superiores! Estes arrogantes imaginam-se.
Delinqüentes! Estes imbecis os anunciam.
Enquanto que, as esqueléticas criaturas
não sabiam o que fazer com tamanha desilusão.
Mais que uma sombria partitura,
a realidade causava-lhe indignação.
Sua dor não era nada,
comparada às do que avistava.
Mas a indignação, quem sabe,
fosse comparável.
Ou mesmo ela, talvez não!

domingo, agosto 07, 2005

Amizade

A dor de um amigo é sempre recíproca.
As tentativas em auxiliar, confortar, entender,
são, por muitas vezes, desesperadas.
As lágrimas do amigo, a quem tenta socorrer,
causam angústia e aflição inesperadas.
Antigos momentos de alegria surgem à mente,
reafirmando o profundo respeito e admiração
àquele que agora, em prantos, revela o que sente.

Muitas vezes, sentimo-nos incapacitados,
de mãos atadas, amarrados,
perante seu sofrimento, sua tortura.
Que como uma ferramenta dura,
nos maltrata, como a ele.
Dilacerando sentimentos,
arrebatando a alegria do viver.

Imagens divididas, coletivas passam
como na janela dum trêm.
Cada vez mais velozes, passam
pelos olhos da mente, para quem tem.

A você meu amigo,
companheiro destes momentos,
terá em meus sentimentos
o maior e melhor abrigo.

Onipresência

Depara-se com a miséria todos os dias.
Já a olha nos olhos.
Aceita como algo natural.
É paisagem, apenas paisagem.
Uma péssima paisagem.
Mas, está lá. Ele vê.
A indignação persiste.
Ele a percebe.
Sim, ainda percebe.
Como em um rio,
ele viaja em seu destino.
E à sua volta, a pobreza.
Tão comum a ele.
Mas, tão chocante ainda.
A pobreza, percebe, é sua confidente.
Sempre presente, revelando seus segredos.
A morte, onipresente, não ousa revelar os seus.
Esta é secreta, sombria, imbatível.
As duas juntas, morte e pobreza,
esculpem seu mundo, como artistas sádicos.
E o viajante deste trêm, apenas olha,
sente à sua volta,
tudo o que vê pela janela.
Confidenciando tudo,
mas sem entender,
sem compreender como.
Nem muito menos o porquê
de tamanha desolação.